A pior coisa da Páscoa é a obrigação de ser feliz. Haja data complicada. A medida que os dias são devorados pelo calendário, a pessoa se defronta com a questão inexorável: onde passar a Páscoa? Com quem?
É mais cruel que o carnaval. Sim, nos dias de Momo também impera a obrigação de exalar felicidade. Os precavidos entram numa escola de samba meses antes e desfilam na avenida. Em última análise, os solitários podem comprar ingresso para um baile, saltitar num bloco ou rasgar a fantasia num trio elétrico. Até mesmo se faz retiro espiritual.
É socialmente aceitável . A Páscoa é bem mais exigente. Há de ter alguém para partilhar a data ou a pessoa sente que tem alguma coisa errada.
Pode parecer uma visão bem negativa da Páscoa. Admito que é . Já passei pelo trauma. Minha pior Páscoa foi aquela em que toda a família resolveu comemorar na casa de minha irmã. Eu morava distante na época era uns 200 quilômetros da casa fraterna. No final da tarde da véspera da Páscoa, quando provavelmente todos já haviam contribuído com sua parte para o almoço do dia seguinte, tomei um banho , me arrumei e entrei no carro repleto de doces . Dei a partida . E o traidor do carro não pegou. De jeito nenhum . Um vizinho até me ajudou a empurra-lo ladeira abaixo, para ver se funcionava. Não teve jeito. Mecânico em final de tarde da véspera de Páscoa era impossível. Meu seguro não oferecia ajuda do tipo. Voltei para casa. Telefonei avisando que não ia e fui dormir. No domingo de Páscoa fritei dois ovos para passar o almoço de Páscoa. Teria me conformado se não fossem as crianças das casas mais próximas . O som de risadas. Alegria. Meu espírito Pascoal foi para o ralo . Nunca tive tanta raiva da felicidade alheia.
A mídia pressiona : na Páscoa é preciso confraternizar com os seus. Não fazê-lo é uma derrota . A cultura ocidental reforça esse sentimento. Tem uma história trágica de Natal é a “ Menina dos fósforos”, do dinamarquês Hans Christian Andersen , do século XIX . Sozinha na noite fria , a garota vê as pessoas comemorar a data do Natal através das janelas. Morre gélida, sonhando com um Natal onde possa ser feliz.
Diante de alguns patrimônios literários , que lemos ou a que assistimos em versões cinematográficas desde crianças , quem se atreve a dizer que não se importa? Pode até fingir. Mas se importa, sim.
A competição para evitar rusgas familiares torna o trânsito da manhã de Páscoa perigosíssimo. Mães , sogras , avós , tias , madrinhas exigem como prova de amor que filhos , noras, genros, netos, sobrinhos e afilhados façam pelo menos uma visitinha durante o domingo. O resultado são comboios vagando de endereço em endereço para entregar os doces, treinar amenidades e voar em direção ao próximo ovo. Um cansaço. Pior é ir a festa da família alheia. Reforça o sentimento de exclusão. Passar sozinho é mico, já disse . E depois fica dificílimo explicar aos amigos que tudo esta bem. Suportar os olhares de dó . Não ganhar coisa alguma depois da maciça campanha publicitária que nos faz relacionar presente com amor ? Impossível.
Quem se separou, tem família distante, perdeu alguém ou nunca teve, apavora-se nesta época. É a síndrome Pascoal . Já quis me libertar dela. Não consegui. Lutar contra séculos de felicidade obrigatória? Não dá .Prefiro me organizar com antecedência . É o melhor. Para no dia em questão não cair na armadilha de fazer uma revisão da vida inteira e arrancar os cabelos ao som de “DE OLHOS VERMELHOS..”.
Nossa... que visão tagecômica da páscoa.
ResponderExcluirMas você falou uma grande verdade. Temos que estar felizes.
Eu hoje comemoro a páscoa por causa do meu filho que me cansa a idéia com os ovos que quer ganhar...mas me entristece perceber que é mais uma data que perdeu sua essência. A Páscoa é recomeçar, reviver, renascer... onde entrou o chocolate nesta história?
Sei lá vou pesquisar!
Mas admito amiga... também já passei não a Páscoa, mas o Natal completamente sozinha uma vez... e assim como você descobri a força da mídia.... e da solidão forçada. KKKKKKKKKKK
Beijo no coração